quinta-feira, 16 de março de 2017

A REPÚBLICA EM ALCOBAÇA (Tempos finais)

-FESTA NA CELA AOS AVIADORES GAGO COUTINHO
 E SACADURA CABRAL-

-CICLISMO
-O ÚLTIMO REGEDOR DA I REPÚBLICA, NA MAIORGA-

(PORTO-LISBOA E VOLTA A PORTUGAL)
-FUTEBOL-
-LEÃO AZEDO E UMA CONFERÊNCIA ADIADA-
-CONSIDERAÇÕES FINAIS-
-FUTEBOL-
-LEÃO AZEDO E UMA CONFERÊNCIA ADIADA-





-FESTA NA CELA AOS AVIADORES-
No próprio dia 17 de junho, ao saber-se na Cela da chegada dos dois aviadores (Gago Coutinho e Sacadura Cabral) ao Rio de Janeiro, houve regozijo com uma salva de 21 morteiros, toque de sinos e música na rua.
No dia seguinte de madrugada, foram lançados mais 21 morteiros e às 11 horas o Pároco da Freguesia Pe. Manuel Silvestre celebrou uma Missa de Ação de Graças, a que assistiram as crianças das escolas e respetivos professores (todos formalmente convocados), bem como elementos da Junta de Freguesia, Direção do Centro Republicano da Cela e povo. Na homilia, o Pe. Manuel Silvestre falou durante 20 minutos, aludindo ao significado e importância do feito e festejos, enaltecendo os aviadores e espírito aventureiro dos portugueses. Pelas 15 horas, realizou-se uma sessão na pequena sede do Centro Republicano da Cela (sala ao lado da Junta de Freguesia e por esta cedida), onde se encontravam expostos os retratos de Gago Coutinho e Sacadura Cabral, tendo-se lançado vivas aos dois heróis, à Pátria/República Portuguesa e ao Brasil. A Filarmónica da Cela, que atuava no coreto, interpretava de vez em quando o Hino Nacional, no que era acompanhada com cantares das crianças mobilizadas.
À meio da tarde, iniciou-se um cortejo cívico com povo e entidades que presentes, com exceção do Pe. Manuel Silvestre que não pactuava com os que, embora republicanos como ele, por acinte hostilizavam a Igreja. Também se realizaram corridas pedestres, de saco e outros divertimentos do agrado popular, bem como foi distribuído pão, vinho e assado um carneiro.
Às 21 horas, a partir do Centro Republicano da Cela, cuja sala se encontrava iluminada a acetilene, começou um baile. E, com o baile se deram por terminados os festejos na Cela. A Junta de Freguesia da Cela e o Centro Republicano (com oito militantes inscritos), cujos titulares eram os mesmos, ainda propuseram à Câmara Municipal que diligenciasse trazer a Alcobaça e à Cela, os gloriosos aviadores.
Mas a Câmara respondeu que não havia verba e a ideia foi posta de parte.
O agricultor José Ferreira, de Casal da Maceda, bebeu veneno, o que lhe foi fatal. Fleming de Oliveira
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Segundo correu, isso aconteceu porque tendo sido fiador de um genro, este não pagou a letra e o credor avisou que lhe iria penhorar a casa, no que ele não teve dúvidas em acreditar. Mas também houve quem assegurasse, que o ato desesperado, foi devido à ameaça da mulher em o abandonar. Seja como for, este incidente não impediu os festejos, embora a polémica sobre se o falecido poderia ser enterrado no cemitério da Cela se tivesse prolongado por uns dois dias, sendo resolvida pelo Pe. Silvestre, no sentido de isso acontecer.
Apesar desses eufóricos intervalos, havia gente capaz de aceitar uma alternativa que o populismo, a demagogia ou o golpismo lhe punha adiante. Nessa altura, muitos com responsabilidades estavam a demitir-se do seu papel e a atear um fogo que não conseguiriam apagar. O País havia chegado a um ponto crítico, aquele em que a corda, de tão esticada, ameaçava partir-se. Dezena e meia de anos sucessivos de sacrifícios e instabilidade político-social, pulverizara o que pudesse existir de confiança popular no regime e a esperança de um final feliz.
Um país pode viver em sufoco durante um certo tempo, se tiver no horizonte uma perspetiva de melhorias, mas não pode viver asfixiado por um garrote que não cumpre os objetivos para que era justificado, quando se dá conta que aquilo que o espera é somente mais instabilidade e empobrecimento.
-A PEDALAR E
A JOGAR À BOLA-
Durante algumas décadas, a Porto/Lisboa que se realizava anualmente a 10 de Junho, foi considerada a prova velocipédica rainha, até ser criada a Volta a Portugal, cuja primeira edição teve início em 26 de abril de 1927 (reeditada em 1931), que passou a ser a mais importante do calendário nacional.
A Volta a Portugal em bicicleta beneficiou do entusiasmo suscitado pela Volta/Raid Hípico a Portugal, que se disputou durou dezoito dias, sob sol e chuva, umas vezes a pé, outras a cavalo montado, dada a rivalidade entre o caldense por nascimento, mas cavaleiro por paixão José Tanganho que montava o Favorito e o Cap. Rogério Tavares, no Emir.
Com cerca de 330 km. numa única tirada, a Porto/Lisboa era segundo se anunciava a segunda clássica velocipédica mais longa do mundo, levando incontáveis espetadores a certos pontos da corrida, como a subida de Santa Clara/Coimbra, a Rampa da Padeira/Aljubarrota, as lombas de Vila Franca do Rosário, antes de se atingir a Malveira e a Calçada de Carriche.
A Porto/Lisboa, teve a primeira edição em 1911, e como vencedor o gaulês Charles George, do Clube Lusitano, que demorou cerca de 18 horas a fazer o percurso. Como escreveu Gil Moreira, nessa primeira edição não houve grande cuidado em escolher o traçado Porto/Coimbra, de tal modo que uns atletas vieram pelos Carvalhos/S. João da Madeira e outros por Espinho/Cortegaça. Assim, esta edição

não foi homologada, graças às ditas anomalias, apesar de a terem concluído 14 exaustos ciclistas. Algumas dificuldades do trajeto, que nada tinha de comum com o atual, foram sendo atenuadas pela melhoria das estradas, onde primava o doloroso piso que acompanhava muito de perto a orografia.
A Porto/Lisboa realizou-se ainda em 1912 e 1913, mas já organizada pela UVP/FC, tendo sido interrompida até 1923, ano em que o vencedor foi José Conceição, do Bombarralense.
Foi este um ano difícil e as pessoas preocupadas com a vida estavam menos disponíveis para folguedos, pelo que a sua passagem por Alcobaça teve menos animação que das outras vezes. Aliás, a Câmara Municipal deu fraca cobertura à divulgação do evento, bem como à sua organização, nomeadamente em termos de policiamento e segurança. Nas primeiras vezes, a prova suscitou forte entusiasmo e muitas foram as formas que o povo teve para homenagear os heróis do pedal que não ganhavam dinheiro e cujo grande objetivo era a fama ou um troféu, para embelezar a sala de estar da casa, mostrar aos filhos ou amigos. Em Alcobaça, as pessoas concentravam-se na berma da estrada em frente ao Mosteiro com improvisados grupos de bombos, batiam palmas, incentivavam os atletas, montavam bancas para os abastecer com líquidos, água ou mesmo vinho do porto, ou sólidos, enquanto os mais arrojados invadiam a estrada e tentassem de bicicleta acompanhar os corredores durante alguns quilómetros.
O ciclismo dava as suas primeiras pedaladas no Sporting Clube de Portugal nesse ano de 1911, graças a Soares Júnior que viria a ser seu Presidente. Logo no ano seguinte/1912, a seção de ciclismo do SCP conquistou a sua primeira vitória significativa, quando Laranjeira Guerra ganhou a Porto/Lisboa. Tratou-se do corredor que, como conta Abílio Gil Moreira, fazia sempre uma pausa em Leiria, não só para se alimentar, como também para um massajador da região lhe sacudir os músculos das pernas, isto mesmo por cima das ceroulas, peça de vestuário de que ele não prescindia em tal prova.
Os corredores da Porto/Lisboa tinham de pedalar uma noite inteira para poderem chegar de dia a Lisboa, em estradas não alcatroadas, em bicicletas muito pesadas pelo que as ceroulas eram importantes para os proteger do frio.
O futebol em Portugal começou a tornar-se conhecido nas últimas décadas do século XIX, trazido por jovens britânicos residentes em Portugal que estudavam em Inglaterra, assim como por estudantes portugueses que de lá regressavam.
O primeiro local onde se terá jogado futebol em Portugal foi no Largo da Achada (freguesia da Camacha, Madeira, 1875, com uma bola trazida de Inglaterra), graças a Harry Hinton, jovem britânico que estudava em Londres, mas que residia na Ilha da Madeira, cujo pai tinha uma quinta naquela freguesia.
No Continente, a sua introdução terá segundo corre sido devida a Guilherme Pinto Basto (que estudava em Inglaterra) que organizou uma demonstração do jogo em outubro de 1888 e o primeiro jogo em janeiro seguinte. Este teve lugar na zona onde é hoje se situa a Praça de Touros do Campo Pequeno, opondo uma equipa de Portugal a outra de Inglaterra, sendo que a portuguesa venceu por 2-1.
Em breve o futebol (foot-ball) começou a ser praticado ao longo do País o que levou à fundação de clubes como Grupo Sportivo de Carcavelos, Clube Braço de Prata, Foot-Ball Club Lisbonense, Real Ginásio Clube Português, Académico Futebol Clube, Clube de Futebol Campo de Ourique, Oporto Cricket Club (no Porto e sede ao Campo Alegre) e Sport Clube Vianense (Viana do Castelo, fundado em 13 de março de 1898), Estrela Futebol Clube (Vendas Novas) e, obviamente, o Benfica (em 28 de fevereiro de 1904, um grupo de 24 ex-alunos da Real Casa Pia de Lisboa, de onde se destacava Cosme Damião, criou nas traseiras da Farmácia Franco, na zona de Belém, o Sport Lisboa com uma única secção, a de futebol. Nessa reunião, ficou assente que o recém-criado clube iria vestir de vermelho e branco e que teria no emblema uma águia e o moto E Pluribus Unum. Em 1908, ocorreu a fusão do Sport Lisboa com o Grupo Sport Benfica, clube que tinha como prática o ciclismo, dando origem ao atual emblema com a introdução da roda de bicicleta e ao nome definitivo: Sport Lisboa e Benfica), o Futebol Club do Porto (fundado em 1893 por António Nicolau d'Almeida. Após um período de inatividade de mais de dez anos, o clube foi refundado em 1906 por José Monteiro da Costa) e o Sporting Clube de Portugal (1906).
O primeiro encontro Lisboa/Porto, realizou-se no Porto em 1894, terminou com a vitória de Lisboa por 1-0 (que arrebatou o troféu D. Carlos I, oferta do monarca) e teve a presença como espetadores do rei e família (que apenas chegaram a meio da segunda parte o que implicou que o jogo se prolongasse por mais um quarto de hora).
O Clube Internacional de Foot-Ball (fundado em 1902) foi a primeira equipa portuguesa a jogar no estrangeiro derrotando em 1907 o Madrid Foot-Ball Club (fundado a 6 de março de 1902. O titulo Real foi conferido em 1920 a este clube espanhol pelo Rei Afonso XIII, juntamente com a coroa real no emblema).
Fundada a 31 de março de 1914 pelas três associações regionais existentes (Lisboa, Portalegre e Porto), a UPF/União Portuguesa de Futebol foi a antecessora da atual Federação Portuguesa de Futebol, que adotou esta denominação no Congresso Extraordinário de 28 de maio de 1926.
Nos primeiros anos da sua existência, a UPF limitou-se a organizar alguns encontros entre as seleções de Lisboa e do Porto, bem como a apresentar a candidatura de Portugal à FIFA (Féderation Internationale de Football Association) que foi aceite no seu XII Congresso, em maio de 1923, organizado em Genebra.

-7-LEÃO AZEDO E UMA CONFERÊNCIA ADIADA-
De entre os cerca de 51 círculos eleitorais, mais os de Lisboa e do Porto, Leiria constituía-se como o 29º. Círculo Eleitoral do País, dele fazendo parte os Concelhos de Leiria, Alvaiázere, Ansião, Batalha, Figueiró dos Vinhos, Pedrógão Grande e Porto de Mós. Alcobaça constituía-se como o 30º. Circulo Eleitoral, que integrava os Concelhos de Alcobaça, Caldas da Rainha, Óbidos, Pederneira, Peniche e Pombal.
Os Deputados eleitos à Assembleia Constituinte pelo 30º. Círculo Eleitoral foram os já referidos:
Afonso Ferreira, nascido em 1877, natural de Leiria e barbeiro de profissão, um dos mais ativos propagandistas das ideias republicanas no Distrito de Leiria e concretamente em Alcobaça aonde ficou muito ligado, prestou bons serviços e tinha boas relações. Publicou o livro Aliança Inglesa, prefaciado por Bernardino Machado, que lhe conferiu alguma notoriedade. Foi sucessivamente eleito deputado, até se ter retirado da vida política descontente com o rumo da I República, passando muito tempo na sua Roça Guegué em S. Tomé, aí falecendo e onde se encontra sepultado.
Gaudêncio Pires de Campos, nascido em 1873 no Concelho de Anadia, licenciou-se em Farmácia. Propagandista republicano, foi Presidente da Câmara Municipal de Leiria até à sua eleição como Deputado à Assembleia Constituinte e um dos grandes organizadores das estruturas republicanas no Distrito para onde veio residir.
José de Cupertino Ribeiro Júnior, natural de Pataias, nasceu em 1848. Comerciante abastado, proprietário de Cupertino Ribeiro & Cª. bem como da Fábrica de Estamparia e Tinturaria de Rio de Mouro, logo aos 18 anos assumiu-se como militante republicano. Eleito membro do Diretório do Partido Republicano em 1902, integrou o Diretório que preparou o 5 de Outubro. Eleito deputado à Assembleia Constituinte por vontade expressa dos republicanos do 30º. Círculo, foi mais tarde Senador e Presidente da Associação dos Lojistas, durante vários mandatos. Nunca esqueceu as suas origens, embora visitasse pouco a sua terra natal, onde não se reconhecem descendentes.
Leão Magno Azedo, nasceu em Caldas da Rainha em 1868, tendo concluído o curso de Medicina na Escola Médico-Cirúrgica de Lisboa, em 1893. Faleceu em 1927 por suicídio, possivelmente por ter constatado o colapso da I República, à qual se entregara sem restrições. Colaborou em diversas revistas e jornais, do qual se destaca a sua participação na Alma Nacional, obra importante para a afirmação do ideário republicano, a qual era dirigida por António José de Almeida. Foi membro do Diretório, tendo sido nomeado, após a proclamação da República, Diretor Geral da Instrução Primária. Fleming de Oliveira
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Leão Azedo que mantinha boas relações com alguns dos republicanos mais antigos de Alcobaça, fora convidado para realizar em 30 de maio de 1926, uma conferência no Centro Republicano, sobre Mussolini que tornado Primeiro-Ministro da Itália em 1922, anunciava um ideário e programa que começava a preocupar as democracias europeias, a qual foi adiada para momento mais oportuno.
-O ÚLTIMO REGEDOR DA I REPÚBLICA, NA MAIORGA-
Mário Fadigas (da Maiorga), gostava de recordar a pequena história do último Regedor da I República, na sua freguesia.
Seu pai, António Fadigas da Silva, nunca frequentou a escola como se reriu supra, tendo realizado o exame da 4ª. Classe (2º. grau) na tropa, depois de ter aprendido a ler com os serralheiros da Companhia Fiação e Tecidos de Alcobaça, para onde foi trabalhar com 10 anos. Republicano, reviralhista (todavia pouco interventivo politicamente) e, ao que se diz, maçon, esteve como 2º. Sargento de Artilharia de Costa, em França com o CAPI durante a I Guerra. Não foi gaseado, tendo-se oferecido, dada a admiração que nutria por Afonso Costa.
Apesar de simpatizante do Partido Democrático, nunca se inscreveu nele e embora vivesse num meio rural, não sabia plantar uma batata, nunca foi agricultor. Era essencialmente um serralheiro.
António Fadigas da Silva, com trinta anos de idade, foi nomeado por Alvará (escrito à mão em papel azul e com selo branco do Governo Civil de Leiria, datado de 8 de maio de 1925), Regedor Efetivo da Freguesia da Maiorga, sob proposta do delegado do governo em Alcobaça, tendo tomado posse no dia 14. Porém não ocupou o lugar por muito tempo pois, com o 28 de maio, pediu a imediata exoneração, tendo-lhe a mesma sido concedida por Alvará do novo Governador Civil de Leiria, Cap. Henrique Pereira do Vale (natural da Cela-Alcobaça), datado de 24 de junho de 1926.
Mário Soares pediu a Mário Fadigas, quando uma vez o visitou em sua casa na Maiorga, que oferecesse ao Museu da República, os Alvarás de Nomeação e de Exoneração de seu pai, que ainda guardava ciosa e cuidadosamente. Fadigas não anuiu ao pedido.
O que era um Regedor?
Regedor era a designação da autoridade administrativa do grau mais baixo, a qual funcionava em cada freguesia, subordinada ao Presidente da Câmara Municipal que livremente o nomeava e exonerava.
O termo regedor serviu, outrora, para a designação de altos cargos como Regedor de Justiça, que presidia ao Tribunal da Casa da Suplicação. Mas o Regedor, durante a I República e o Estado Novo, era um vulgar cidadão, com a missão de manter a No Tempo de Reis, Republicanos & Outros. A I República em Portugal & Alcobaça.
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ordem na pequena circunscrição, que é a freguesia. O Regedor tinha as atribuições definidas no Código Administrativo, de natureza administrativa e policial.
No atual ordenamento jurídico, já não existe a figura do Regedor.
O Regedor fazia um relatório das atividades que entregava com regularidade na Câmara Municipal, que depois encaminhava para o Governo Civil. O Regedor tinha a função de zelar pelas pessoas e pelos bens da freguesia. Não recebia ordenado por um trabalho que lhe ocupava muito tempo. Quando havia necessidade de prender alguém, o Regedor era o responsável pelo preso, tinha que o levar a Alcobaça a pé. Se a prisão acontecesse à tarde, ficava toda a noite a vigiá-lo e a esposa mantinha o lume aceso para se aquecerem, e fazer café para não adormecerem. Havia casais que discutiam ou brigavam, pelo que acontecia por vezes um deles ir queixar-se ao Regedor, que assim fazia de conselheiro matrimonial.
O Regedor era testemunha, juiz, e a sua palavra valia mais do que um documento.
-9-O PARTIDO COMUNISTA PORTUGUÊS-
A 6 de março de 1921, na sede da Associação dos Empregados de Escritório, Lisboa, realizou-se a Assembleia que elegeu a primeira direção do Partido Comunista Português.
Estava (formalmente) fundado o PCP, herdeiro da Federação Maximalista Portuguesa/FMP (a sua espinha dorsal e que de certo modo o fizera germinar), a primeira organização portuguesa a reclamar-se dos princípios bolcheviques.
A FMP foi criada em setembro de 1919 por iniciativa de um grupo de dirigentes sindicais que, embora perfilhassem ideais anarquistas, eram influenciados pela Revolução de outubro. Nada grata do regime republicano (viu logo a prisão de alguns militantes como a do seu secretário geral o ferroviário Manuel Ribeiro), veio a cessar atividade em dezembro de 1920, depois do apoio a uma greve de ferroviários, de ter sido assaltada a tipografia onde se procedia à impressão do seu jornal A Bandeira Vermelha.
Foi curta, atribulada e difícil a vida da FMP. Durante o cerca de ano e meio da sua existência foi objeto de medidas repressivas por parte do governo da República, campanhas de difamação e intoxicação da opinião pública, a que viria somar-se o conflito com os anarquistas. As reuniões da FMP eram vigiadas de perto pela polícia, tendo sido imposta a obrigação de previamente se tornarem públicos os seus locais.
No Manifesto em que fez a sua apresentação pública, o Partido Comunista, divulgou os 21 pontos da Internacional Comunista (a sua base política), e a sua adesão ao Movimento Comunista Internacional. Pouco depois constituiu-se a Juventude Comunista com militantes advindos das Juventudes Sindicalistas e das Juventudes Socialistas. Fleming de Oliveira
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Este Manifesto marcou o fim das relações de proximidade com a CGT (central anarcossindicalista), que reagiu exacerbadamente com a publicação de uma Nota Oficiosa (16 de julho de 1921), onde denunciava a divisão provocada pelo PC nas hostes sindicalistas.
Em fins de 1921, numa reunião conjunta do PC e da JC, assentou-se na publicação do semanário O Comunista, cujo primeiro número saiu a 16 de outubro de 1921. Este semanário teve vida curta, tendo suspendido a publicação ao fim de sete números, alegadamente com propósito de melhor o adaptar às decisões do Congresso da Internacional Comunista. A nova série reaparecerá em maio de 1923 e bem como O Jovem Comunista (órgão da JC).
Um dos mais importantes objetivos dos comunistas neste período consistiu na procura, no quadro das organizações sindicais, de uma orientação à luta dos trabalhadores e na adesão do movimento sindical português à ISV/Internacional Sindical Vermelha.
A filiação na ISV foi discutida no Congresso Nacional Operário (Covilhã, setembro de 1922), não sendo a proposta aprovada.
Com o PC pretendeu-se acelerar a clarificação das tendências do movimento operário, com impulso à consciencialização e desenvolvimento político das massas operárias. Mas as dificuldades eram muitas, dado fraco o nível de preparação política, teórica e prática dos militantes portugueses. Acresce que ao novel partido faltava uma formação marxista-leninista.
Para aperfeiçoar a implantação local, o Partido foi subdivido em quatro zonas regionais, ficando a do Norte sediada no Porto, a do Centro em Santarém e a do Sul em Évora, para além da estrutura de Lisboa.
Por esta altura, o partido teria cerca de 1.000 militantes, a que se juntavam 260 da JC. Era predominante urbano centralizado em Lisboa, com núcleos principais no Porto, Beja, Évora, Coimbra e Santarém, e elementos dispersos em Viana do Castelo, Almada, Tomar e Torres Vedras. Como partido do proletariado, os operários formavam o grosso dos aderentes (72,3%), longe dos 23% de empregados e dos 4% de intelectuais.
Durante as comemorações do Dia Mundial da Juventude Comunista, (1 de setembro de 1921), registaram-se as primeiras prisões de militantes do Partido que procediam a uma campanha de propaganda de rua.
Na Europa estavam a ocorrer revoluções democrático-burguesas e proletárias pelo que luta de massas atingiu uma dimensão até então não alcançada. As lutas por reivindicações económicas e a exigência de alterações sociais e políticas entrelaçaram-se com a luta internacionalista em defesa da Revolução de outubro e do reagrupamento das forças revolucionárias, cujo resultado mais visível foi a constituição da Internacional Comunista (março, 1919). No Tempo de Reis, Republicanos & Outros. A I República em Portugal & Alcobaça.
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Portugal não ficou à margem do turbilhão mundial, pese embora as especificidades e os condicionalismos de natureza nacional.
O desenvolvimento capitalista em Portugal, ainda que limitado se comparado com outros países, progrediu apesar da Guerra (como se referiu) nos primeiros 20 anos do século XX. A classe operária cresceu numericamente, nomeadamente no setor industrial, bem como a sua concentração, níveis de organização e capacidade de luta, traduzida no recurso às greves (talvez centenas). Com as liberdades conquistadas com a implantação da República (para a qual os trabalhadores nomeadamente de Lisboa deram contribuição apreciável), a organização dos trabalhadores reforçou-se, bem como a sua combatividade. O confronto com o poder político tornou-se corrente.
O envolvimento de Portugal na I Guerra agravou as condições de vida das massas populares, levando à agudização da luta de classes e ao acentuar do divórcio entre a classe operária e o PRP, que, para tentar conter a luta, recorria a medidas repressivas contra o movimento operário (assassinatos, prisões de grevistas e dirigentes sindicais, assaltos e encerramentos de instalações sindicais e de jornais).
Depois de alguma quebra no impetuoso fluxo reivindicativo, ainda em 1916, mas sobretudo em 1917, à semelhança do que acontecia pela Europa fora, vai assistir-se a um novo e impetuoso fluxo de luta de massas no qual (pelo seu significado, dimensão e condições de afrontamento com o poder) avultam as lutas contra a carestia de vida e em particular a greve geral de novembro de 1918.
A espanhola fustigava a cidade lançando o medo e a morte.
Por cada dia que passava, surgiam mais xailes negros pelas ruas e homens de cenhos carregados. Lisboa ainda sobre a pressão do trauma da Guerra, esvaía-se de fome, pranteava os mortos breves, tão mais numerosos que parecia que Deus apenas dava vida para que a morte fizesse o seu trabalho.
Seria desta vez o fim dos tempos? Os cemitérios não davam vazão à enchente e a peste ria-se, ria-se, brincava com a dor da gente matando os próprios coveiros. Os cadáveres amontoavam-se, justificando um regresso à vala comum que se supunha extinta para sempre, desde o tempo de Mouzinho da Silveira e Rodrigo da Fonseca.
Para a gripe, embora familiar das de inverno, ainda não se tinha conseguido encontrar antídoto, não se sabia porque matava tão depressa ao fim de uns três ou quatro dias, embora alguns morressem mesmo ao fim de meia dúzia de horas. Começavam as febres, a falta de ar, os tremores pelo corpo e suores (ninguém sabia se eram de calor ou frio), sendo certo que todos tremiam de medo e nem as mesinhas, chás, tisanas ou outras ervas mágicas oriundas do quintal da avó, salvavam da asfixia os desgraçados que a espanhola tomava em garrote (nunca se percebeu porque eram mais facilmente apanhados os novos do que os velhos). Fleming de Oliveira
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Os vivos sobreviviam em famílias onde de proles numerosas sobravam dois ou três. Estes medos eram campo fértil para as bruxas ou curandeiros todos eles possuidores de dons milagrosos e conhecedores de benzeduras que espantavam o maligno ou o médico.
A bruxa da Cumeira, que tinha boa clientela em Alcobaça, rezava três padres-nossos, fazia com azeite quente o sinal da cruz na testa, no peito e na barriga do crente/doente (sempre de costas para o cemitério), encerrava o trabalho com mais um padre-nosso para recomendar o ar fresco e à noite um copo de leite com muita aguardente, indo para a cama com muitos cobertores, até que o sol nascesse
Lisboa muito especialmente era um mar de doentes, os hospitais alargaram funções às escolas ou armazéns e multidões assustadas e doridas da tosse e febre saltavam das filas da maleita para as filas da sopa do Sidónio.
O entusiasmo causado pela revolução na Rússia não era suficiente para garantir a assimilação criadora dessa experiência. O proletariado português estava longe da ter consciência do seu lugar no sistema de relações sociais. A revolução continuava a ser entendida como um ato de vontade. Agora sob o impacto da Revolução de outubro, a possibilidade da revolução social estava aí a concretizar-se.
A origem político-ideológica dos quadros, o seu isolamento do movimento revolucionário internacional, e o baixo nível de preparação teórica, não podia deixar de se refletir na visão que tinham da revolução bolchevique e na assimilação e eventual aplicação das suas experiências.
Com o 28 de maio de 1926, o PC foi ilegalizado.
-10-BALANÇO-
Foi um tempo muito complexo e politicamente muito intenso, a segunda metade do século XIX.
Após a Regeneração, apesar dos progressos materiais em infraestruturas, os partidos que ora ganhavam, ora perdiam eleições, faziam coligações, por vezes contranatura, em obediência à finalidade de chegar ao poder. As manifestações populares, a extensão e o alastramento da pobreza, os governos musculados, as críticas ao Rei, o volume da dívida e a dificuldade em encontrar no exterior financiadores para cobrir as necessidades orçamentais, a incompreensão dos políticos para apreenderem o que efetivamente se passava, traduziam-se numa multiplicidade de propostas de ação governativa incapazes de assegurar a estabilidade necessária, sem paralelo em qualquer outro país europeu, e que não correspondiam às expetativas dos cidadãos. Obstrução no Parlamento, indisciplina partidária, pronunciamentos militares, interregnos ditatoriais, ameaça de restauração da monarquia, ambiente de intriga e conspiração permanente, foram fatores de letal instabilidade. No Tempo de Reis, Republicanos & Outros. A I República em Portugal & Alcobaça.
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Da apreciação desse tempo da Monarquia Constitucional, fica a sensação que os políticos falavam entre si, discutiam para si e para os outros políticos, através dos meios disponíveis, nomeadamente as Cortes ou a comunicação social, e pareciam olvidar que havia um País com pessoas que todos os dias viam diminuir o seu poder de compra, necessidades básicas por satisfazer e apenas entendiam que os políticos discutiam e decidiam por si, entre si ou contra si, e se operavam as mudanças entre e para as diversas formações partidárias formadas ou em formação, do arco da governação.
Este tempo passou para a República que, apesar das promessas e esperança na mudança do regime antecedente, não logrou ultrapassar os vícios do sistema. Os republicanos não podiam ignorar uma das mais duras realidades da vida coletiva portuguesa, o crescimento das assimetrias, tanto a nível individual como do todo social. Diziam que com os impostos os portugueses serviam o Estado, prometiam que com a República seria o Estado a servir os portugueses…
Afinal o que movia o Governo era linear, para os eleitores e seus adeptos tudo, para os contribuintes ou os outros, pouco ou nada. Num primeiro momento, tratavam-se os portugueses como eleitores, para uso e proveito de quem governa e se quer manter no poder. Depois eram tratados como contribuintes, convocados para resolver os problemas criados para vencer as eleições.
A instabilidade político-social continuou, as dificuldades da população não cessaram, a alternância no poder não parou, os republicanos não conseguiram transmitir ao cidadão que eram capazes de gerir o interesse público, serem o símbolo e o exemplo que se lhe exigia que fossem e tinham prometido.
A obra da I República, tem sido ajuizada de formas diferentes, por vezes insuperavelmente antagónicas, fruto de preconceitos ideológicos, plenos de reações emotivas, onde não está excluído o insulto primário.
Para uns, foi um período que substituiu a autoridade pela instabilidade e a demagogia, desorganizou o aparelho do Estado, tornando-o incapaz de resolver problemas reais, empobreceu o País, levou-o a uma guerra catastrófica, atrasou o desenvolvimento económico, agravou a dependência colonial relativamente à Inglaterra, enfim foi cenário de uma enorme e despudorada conflitualidade parlamentar, entrecortada por dissidências com episódios rancorosos e sangrentos.
Para outros, foi uma época de uma ímpar agitação, fecunda e criadora, que fez a primeira experiência de governo democrático, interessou o povo no processo político, deu passos definitivos, modernos e inovadores na laicização da vida civil e legislação da família, mau grado os excessos na questão religiosa, defendeu as possessões ultramarino-africanas dos apetites dos Impérios amigos e permitiu a formação de uma mentalidade política civilizada e progressiva. O ensino desenvolveu-se a vários níveis, embora a taxa de analfabetismo se tenha reduzido Fleming de Oliveira
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a muito menos que o prometido, sendo de destacar o episódico desempenho das Universidades Livres e Universidades Populares. Legislou-se em defesa do património cultural, a Biblioteca Nacional sofreu uma importante reforma.
Há, na História de Portugal, momentos que marcaram a vida coletiva, sendo um deles a implantação da República.
Mais de cem anos decorridos políticos há que continuam a exaltar e reclamar respeito pelos seus ideais. A sua motivação, no entanto, é diferente da que levou José Relvas, Teófilo de Braga ou Afonso Costa a depor D. Manuel II.
Na altura, ser republicano era estar contra a Monarquia, alegadamente querer acompanhar as mudanças do Mundo, os ventos da História, modernizar Portugal, incentivar a indústria e o trabalho assalariado. A República havia de ter a virtualidade de resolver os males da Nação e assegurar que o poder emanado do Povo seria exercido no seu interesse, de forma temporal e por representantes eleitos.
Durante o período de propaganda, as forças e personalidades políticas republicanas encontraram, com facilidade, um mínimo denominador no desiderato da abolição do regime, que rapidamente deu lugar a manifestação de divergências políticas e pessoais, que vieram a estar na raiz da instabilidade que se seguiu e foi fatal.
Hoje, ser republicano foi popularizado por uma certa esquerda, com um significado genérico e pouco preciso, se não degradado, para defender uma visão do Estado e da res publica de forma radical e transparente, no campo da gestão e da legislação, compreender o papel da democracia representativa, saber integrar os elementos da cidadania, velar para que a comunidade saia beneficiada e não apenas alguns. O ideário republicano, forjado na luta contra os regimes absolutistas e ditatoriais assumiu, como fundamental, o primado da Lei, perante a qual todos são iguais. A primeira missão do Estado Republicano seria garantir a imparcialidade e equidade na aplicação da Lei.
Mas o PRP no poder violou repetidamente este objetivo.
O comunismo propiciou o aparecimento das Repúblicas Populares, onde a democracia representativa deu lugar à ditadura do proletariado, uma democracia direta, pelo menos em princípio.
Houve a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, como há, ainda, a República Popular da China e a República de Cuba. Os sistemas africanos, de estrutura tribal ou não, provenientes da descolonização, também se auto intitulam repúblicas, como o Congo, o Uganda ou Angola. Ou seja, todos eram ou são republicanos, passando por dirigentes tão diversos como Thomas Jefferson, Lenine, Fidel Castro ou José Eduardo dos Santos.
Assim, quando alguns batem no peito e se dizem republicanos tout court, não se sabe o que pretendem dizer. Como o regime constitucional português deixou de ser

monárquico e não há risco da sua reimplantação (tanto mais que a CRP proíbe referendo sobre o tema), é equívoca a insistência na utilização da expressão.
Se alguém deseja afirmar-se partidário da democracia representativa, é uma expressão inadequada, visto as monarquias europeias serem bem mais democráticas do que muitas repúblicas. Para evitar mal-entendidos, seria recomendável aos políticos, o abandono do uso de conceitos vagos. Ser republicano pura e simplesmente, não tem em si, especial sentido ou mérito. E sentido, é o que a política portuguesa precisa.
Ser republicano até 1910 (como se salientou), queria fundamentalmente dizer ser contra a Monarquia, contra a Igreja e os Jesuítas, contra a corrupção política e os partidos monárquicos, contra os grupos oligárquicos.
Mas a favor de quê? As respostas mostravam-se imprecisas e variadas e frequentemente passavam muito redutoramente, pela invocação da descentralização. Cumpre acentuar esta postura para compreender as desilusões, contradições e conflitos dos republicanos quando, por fim, triunfaram e se viram confrontados com o exercício do poder.
As questões ideológicas não eram tidas como fundamentais na estratégia para derrubar a monarquia e assumir o poder. A maioria dos seus simpatizantes, não conhecia os textos dos manifestos, pelo que lhes bastava ser contra a Monarquia. Esta falta de liminar preocupação ideológica, não permite concluir que o PRP não se preocupasse com a divulgação dos seus princípios programático/ideológicos através de comícios, sessões de esclarecimento, manifestações populares e de jornais, como A Voz Pública, do Porto, e O Mundo e A Lucta, de Lisboa.
A propaganda republicana foi tirando partido de alguns factos históricos, como as Comemorações do III Centenário da Morte de Camões e o Ultimato. Reclamavam-se os republicanos como os lídimos representantes dos mais puros e sérios sentimentos nacionais bem como intérpretes das aspirações populares.
Apesar da agitação republicana, com várias ameaças de sublevação, o governo/regime pouco se preparou, apesar de ter a consciência de que o perigo era real.
A Rainha D. Amélia, por exemplo, teve perceção do apoio que os republicanos congregavam, pois as demonstrações de força nas ruas de Lisboa, eram eco dos tumultos organizados nas Cortes, por deputados republicanos.
Foi na noite desse dia 2 de agosto que compreendi que a coroa estava em jogo: quando o rei, com razão ou sem ela, é contestado ou rejeitado por uma parte da opinião, deixa de conseguir cumprir o seu papel unificador.
A República acabou por preencher o imaginário português, de maneira não comparável com o regime que se seguiu, que não ousou remover alguns dos seus grandes símbolos, muito menos repor a Monarquia.


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