segunda-feira, 31 de março de 2014

GILBERTO MAGALHÃES COUTINHO, ANTIFASCISTA ALCOBACENSE


 
GILBERTO MAGALHÃES COUTINHO, ANTIFASCISTA ALCOBACENSE

Fleming de Oliveira

Não seria muito justo, deixar de referir o papel político de Gilberto Magalhães Coutinho em Alcobaça.
Com 81 anos, faleceu em fevereiro de 1999, essa figura com algum relevo nos meios políticos da oposição ao Salazarismo em Alcobaça, que veio a ser detido primeira vez pela PIDE, em 22 de novembro de 1948, em Alcobaça, tendo dado a entrada na respetiva Diretoria, em 24 de novembro de 1948, para averiguações e recolhido de seguida,  preventivamente, ao Aljube.
Julgado no Tribunal Plenário Criminal de Lisboa, em 6 de dezembro de 1949, foi condenado na pena de 2 anos de prisão maior celular ou, em alternativa, na de 3 anos de degredo, na suspensão de direitos políticos por 15 anos, 1000$00 de imposto de justiça, acrescido das percentagens legais e sujeito a medidas de segurança. A pena de prisão decorria de lhe ser imputado atentar contra a segurança do Estado, enquanto que as Medidas de Segurança se justificavam, por período de tempo por vezes mais ou menos indeterminado, normalmente de três meses a três anos renováveis tantas vezes quanto a polícia política decidisse, com a benévola assinatura dos juízes do Plenário, na perigosidade do acusado, numa avaliação e proposta feitas pela PIDE.

Sobre os Tribunais Plenários, escreveu por exemplo António Valdemar que, juntamente com a PIDE, as Forças Armadas, a censura, a banca, a esmagadora maioria do episcopado português e outros elementos da hierarquia da Igreja Católica, foram os principais sustentáculos da ditadura que se prolongou de 28 de Maio de 1926 até 24 de Abril de 1974. Data de 1945 a criação dos Tribunais Plenários de Lisboa e do Porto. Destinavam-se a julgar acusações e delações contra a segurança do Estado, legitimando-as e, ainda processos de liberdade de imprensa, não apenas circunscritos a matéria editada em jornais e revistas, mas também em livros e outras publicações (…). Logo que foi implantada a Ditadura Militar, restringiram-se as liberdades constitucionais, estabeleceu-se a censura, preparou-se uma polícia política. Sob a alçada do foro militar, ficaram os processos políticos. Quando Salazar ascendeu a 5 de Julho de 1932 a chefe do governo, são também criados em Lisboa e Porto, em Dezembro de 1932, os tribunais militares especiais para os crimes políticos. Porém, com a cosmética que o termo da II Guerra impôs durante algum tempo, em 20 de dezembro de 1945 acabaram em Portugal os Tribunais Especiais Militares, que deram lugar aos Tribunais Plenários Criminais, atribuindo à recém criada PIDE, antes PVDE, a exclusiva competência para instruir os processos. Em 1945, foram criados os Tribunais Plenários, de Lisboa e Porto.
Nestes tribunais, frequentemente, os juízes eram pouco mais que presenças de estilo, complacentes com as torturas na cela e até na própria sala de audiências, chegando a ordenar a detenção de testemunhas ou advogados de defesa, por desrespeito ao tribunal. A certeza que havia, é que os processos estavam como que decididos a priori. Os juízes (Desembargadores) e os representantes do M.P., eram escolhidos pelo Ministro de Justiça, de acordo com critérios de confiança política.
Segundo Irene Pimentel, o Tribunal Plenário de Lisboa, atingiu um grau de corrupção e de falta de vergonha com acusações claramente pidescas, ao contrário do do Porto que, deste, nunca se aproximou, nem de longe nem de perto.

Estava o autor destas notas em 1972, em serviço militar na Guiné quando, com alguma surpresa, tomou conhecimento, que o Tribunal Plenário do Porto (juiz presidente Morais Campilho), absolveu alguns estudantes de Coimbra, acusados de participar em reuniões do PC, distribuírem propaganda apelando ao termo da guerra de África e tomarem partido por dois colegas estudantes angolanos, afetos ao MPLA.

Julgado no 1º. Juízo Criminal de Lisboa, em 30 de maio de 1951, Gilberto Coutinho foi de novo  condenado no cumprimento de pena de prisão e sujeito a Medidas de Segurança. Antes fora sujeito à tortura do sono. Foi restituído à liberdade condicional, com termo de identidade e residência, em 3 de Junho de 1953, embora com Guia da Cadeia do Forte de Peniche, emitida com data de 6 de junho de 1953. Apenas, em 8 de outubro de 1956 lhe foi concedida a liberdade definitiva.

O seu primeiro emprego, em Alcobaça, ocorreu na antiga Casa Furtado, de José Sanches Furtado (ferragens e drogaria). Quando saiu da prisão de Peniche, em liberdade condicional, foi trabalhar para a casa Thomaz dos Santos, em Caldas da Rainha. Daí passou para Barreto & Trindade, em Alcobaça, onde se tornou sócio e deu origem à empresa que atualmente ainda gira sobe o nome de Gilberto de Magalhães Coutinho, Ldª.
Dotado de forte espírito associativo, fez parte do grupo dos fundadores do Rancho de Alcobaça, da ADEPA e ainda da sociedade proprietária do Voz de Alcobaça. Também se dedicou ao Ginásio Clube de Alcobaça, de que foi diretor e apoiante em momentos difíceis.

Quem o conheceu de perto, recorda um comerciante honesto, conceituado na praça, pleno de seriedade e disciplina na sua condução financeira. Nunca repudiou, as convicções políticas e tinha a fama, seguramente o proveito moral, de não ser acusado de criar situações que pudessem comprometer ou criar prejuízos a outrem.
Pessoalmente, embora não tivesse sido pessoa propriamente das relações sociais, muito menos políticas do autor deste texto, registo que sempre lhe notei o gosto de ler e trocar impressões acerca dos mais variados assuntos. Aliás colaborou, por alturas dos vinte anos do 25 de Abril, na nossa  Notas Sobre os Tempos do Prec em Alcobaça, publicadas em O Alcoa.

O estatuto social de alcobacenses como Coutinho não era elevado e, não obstante, não consta que como outros tivesse sido especialmente mal tratado, muito menos fisicamente torturado pela PIDE.
Os presos, reconheciam que havia diferença no tratamento, entre um operário ou assalariado rural (socialmente mais indefesos) e um intelectual. De acordo com  Irene Flunser Pimentel, que escreveu a História da PIDE, havia diferença de tratamento entre funcionários do PC e presos como Soares ou Cunhal. Na primeira prisão, Cunhal ainda foi bastante castigado, depois não tanto, embora sujeito a grande isolamento, incomunicabilidade. Esta podia atingir meio ano, com denegação de acesso a revistas, livros ou correspondência. A tortura não era caso raro e nela intervinha, além dos agentes, um médico com vista a assegurar que o detido possuía condições físicas ou psicológicas para o prosseguimento.

Nos anos sessenta, o meu Pai, que também era advogado, frequentava no Porto, meios sociais, não propriamente políticos, de Artur Santos Silva (Pai) pelo que se recorda de ouvir este contar, alguns factos ou impressões, relacionados com a sua atividade político-profissional, nos Tribunais Plenários.
Artur Santos Silva (o arturão como era conhecido no meio), contava casos em que as testemunhas que enalteciam a conduta dos acusados ou o mérito das ideias que professavam, entravam na sala de audiências do Tribunal Plenário nessa qualidade e, quando saíam, iam diretamente para os calabouços.
Além da privação do sono, havia a estátua e a audição de estridentes gravações de choros, gritos, confissões ou denunciasse claro os espancamentos com cavalos-marinhos, o rabo de boi ou matracas.
Sobre Albino Serrano, Artur Faria Borda e Gilberto de Magalhães Coutinho, pode-se consultar com interesse o Voz de Alcobaça, respetivamente os números do ano de 1999, janeiro a abril de 2000, 31 de agosto de 1999 e 28 de fevereiro de 1999.
NOTA-cfr. o nosso, NO TEMPO DE SALAZAR, CAETANO E OUTROS




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